Sigilo e controle da Atividade de Inteligência

Tempo estimado de leitura: 7 minutos

Compartilhe:

Controle da Atividade de Inteligência

O viés da Atividade de Inteligência sofreu alguns tropeços ocasionados pela frágil perspectiva ética, em tempos não tão remotos, para retornar ao seu papel de obter informações em nível estratégico decisório. Contudo, não há como discordar da relevância da atividade de inteligência na defesa do Estado e da sociedade, como anota Joanisval Gonçalves:

Uma vez que não se pode prescindir da atividade de inteligência, fundamental se faz, em um Estado democrático, que essa atividade passe por um rígido controle interno e externo. Por meio da fiscalização e do controle, busca-se assegurar que os órgãos controlados atuem de acordo com as leis e segundo a efetiva conveniência em relação a um interesse público completo. Essa finalidade do controle é completamente aplicável à atividade de inteligência. (Gonçalves, 2019, p. 51)

O Estado, ao mesmo tempo em que deve manter sua atividade de inteligência com discrição, tem que buscar o delicado ponto de equilíbrio com o direito à informação, o direito de petição e o acesso a dados públicos, sem deixar que o elevado secretismo prejudique as ações de segurança pública.

Dificuldades na fiscalização: sigilo, arte e desinteresse

Joanisval Gonçalves (2019), citando Glenn Hastedt, identifica três dificuldades para a fiscalização e o controle da atividade inteligência: a primeira é a questão do sigilo inerente  a essa atividade, os serviços de informações não podem simplesmente revelar as suas atividades publicamente sem gerar grande vulnerabilidade; o segundo problema diz respeito à atividade de inteligência ainda ser muito mais uma arte que uma ciência, os profissionais  teriam pouca confiança no conhecimento e na competência de seus controladores; um terceiro aspecto diz respeito ao desinteresse dos políticos em se envolverem com a atividade de inteligência.

As democracias não podem funcionar a partir da invasão indiscriminada na privacidade de seus nacionais. Deve haver controle, mas essa ferramenta da administração não pode constituir obstáculo para a atividade de inteligência, imprescindível para o Estado. A inteligência policial deve ser cumpridora dos preceitos legais, atuando sempre em proveito dos interesses da justiça e em defesa da sociedade, permanecendo como opção juridicamente viável e socialmente aceita no combate à violência e ao crime organizado.

De toda maneira, em regimes democráticos, o controle da atividade de inteligência é fundamental para garantir a legitimidade, eficácia e eficiência das ações. Muitas vezes a natureza da atividade e a necessidade de controle são de penosa conciliação, mas devem ser fiscalizadas em atenção ao princípio da publicidade e da proteção do Estado e da sociedade.

Controle e Democracia

O controle da atividade de inteligência, conforme assevera Gonçalves (2019), é algo recente, décadas de 1970 e 1980, mesmo em democracias tradicionais como EUA, Austrália e Canadá. Com a intensificação de ameaças, mais poderes têm sido avocados pelos governos e, com isso, aumenta também a necessidade de maior fiscalização para que não cometa abusos e desvie-se de sua missão legalmente estabelecida.

De fato, a legislação de inteligência brasileira ainda não estabelece um mandato claro para a ABIN e tampouco para os outros órgãos do SISBIN. Esse quadro só veio a mudar com a Resolução nº2, de 2013-CN, que aprova o Regimento Interno da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (RICCAI), órgão de controle externo, explica o Dr. Gonçalves 2018.

Relatórios de inteligência, justamente por serem destinados ao assessoramento do processo decisório e não ao processo penal, por sua característica de confecção, são invariavelmente de natureza sigilosa, regida pela Lei de Acesso à Informação, Lei nº 12.527/2011.

Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência

O órgão de controle externo da atividade de Inteligência, com previsão no art. 6º da Lei nº 9.883/99, é denominado de Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), composto por 06 (seis) integrantes, sendo 03 (três) deputados federais e 03 (três) senadores, além do Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

De fato, a atenção do controle externo pelo Poder Legislativo, em nível federal, voltar-se eminentemente para a ABIN. Joanisval Brito Gonçalves ressalta que:

O que se tem para com os órgãos do SISBIM são os mecanismos gerais de controle interno, agencial, ministerial e do Executivo aplicáveis a toda a Administração Pública. Em alguns órgãos, como o DPF, há a corregedoria, mas que é muito mais voltada à investigação de ilícitos ou irregularidades dos servidores que à avaliação e supervisão do desempenho e da atuação do órgão como um todo. Em outros, a corregedoria atua como setor de inteligência dentro das instituições, ou ao menos usa técnicas de inteligência para levantar informações sobre condutas dos servidores ou contrárias à lei e à instituição. (Gonçalves, 2018, p.174)

Ministério Público no controle externo

O Ministério Público (MP) entende que cabe a ele o controle externo da atividade de Inteligência no âmbito policial, juntamente com o controle externo de toda a atividade policial.

No que tange ao controle externo da atividade investigativa, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 129, inciso VII, instituiu como função institucional do Ministério Público o controle externo da atividade policial, o qual seria regulado na forma da legislação complementar da União e dos Estados. Esse dispositivo enumera taxativamente as atribuições do Ministério Público, e de acordo com seu inciso VII, o MP teria o dever/poder de realizar o controle externo no inquérito policial:

Art. 129 São funções institucionais do Ministério Público:
(…)
VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
(grifo nosso).

Renato Brasileiro (2018), esclarece que se pode conceber o controle externo como instrumento de realização do poder punitivo do Estado, dando ao Ministério Público comprometimento maior com a investigação criminal e amplo domínio e lisura na produção da prova utilizada na eventual propositura da ação penal. Sendo assim, o controle externo exercido pelo Ministério Público é uma atividade relativa à investigação.

Acesso aos inquéritos, mandados de prisão e outros documentos

Gonçalves (2018) pontifica que com a aprovação da Resolução nº 20 do Conselho Nacional do Ministério Público, os membros do Parquet passam a ter regulamentado seu acesso aos inquéritos policiais, e poderão fiscalizar o cumprimento de mandados de prisão, analisar boletins de ocorrências, e acesso a quaisquer documentos relativos à atividade policial, alcançando órgãos civis e militares, na forma dos art. 4º e 5º da Resolução. Quanto ao Ministério Público Militar (MPM), este possui competência para atuar no controle externo da atividade de inteligência das Forças Armadas. Importante ressalva é feita pelo professor:

Registre-se, finalmente, que uma vez que a ABIN não é órgão policial, não realiza investigações nem tem poder de polícia, suas atividades não estariam sujeitas à forma de controle externo objeto da Resolução CNMP nº 20/2007. Entretanto, tem o Ministério Público da União (MPU) competência para fiscalizar o serviço de inteligência de maneira que o teria para qualquer outro órgão da Administração Pública federal, direta e indireta. (Gonçalves, 2018, p. 188)

Controle da atividade de inteligência

Considerando que os documentos de inteligência são confeccionados com a finalidade de assessoramento ao processo decisório e não ao processo penal, a realização do controle da atividade de inteligência poderia ser, de fato, feita de acordo com o art. 6º da Lei nº 9.883/99:

Art. 6º O controle e fiscalização externos da atividade de inteligência serão exercidos pelo Poder Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do Congresso Nacional.
§ 1º Integrarão o órgão de controle externo da atividade de inteligência os líderes da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, assim como os Presidentes das Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
§ 2º O ato a que se refere o caput deste artigo definirá o funcionamento do órgão de controle e a forma de desenvolvimento dos seus trabalhos com vistas ao controle e fiscalização dos atos decorrentes da execução da Política Nacional de Inteligência.

Nesta perspectiva, Andrade (2012) cita o entendimento do Professor Joanisval Brito Gonçalves, “o controle realizado pela CCAI é funcional, ou seja, ela tem competência para fiscalizar todo o SISBIN. De fato, qualquer organização do Sistema que conduza atividade de inteligência está sujeita ao controle da CCAI.” A intenção é reforçar a necessidade de submeter a vontade dos estados de ingressar no SISBIN a uma instância institucional de controle externo. Além do que, a simplicidade desse ato formal não justifica sua ausência. 

Alcance do controle pelo CCAI

Dessa forma, é possível o controle pelo CCAI desde que os órgãos de inteligência de Segurança Pública dos Estados ou DF integrem o SISP, e este por sua vez integra o SISBIN. Havendo ainda a possibilidade de sobrevir lei estadual dispondo de modo diverso, por exemplo com a criação de uma comissão estadual para o controle da atividade de inteligência, o que estaria em sincronia com o princípio federativo e o princípio da simetria. Esclarece o professor Gonçalves a respeito do controle externo exercido pelo Poder Legislativo:

Em alguns Estados da Federação já tem início um processo de estruturação de órgãos de controle dos sistemas de inteligência estaduais pelas Assembleias. O Ceará foi pioneiro nesse processo, com o Projeto de Indicação nº2, de 2018, de autoria do Deputado Fernando Hugo (PP), que “cria a Secretaria de Inteligência Estratégica, a Agência Estadual de Inteligência, o Conselho Estadual de Inteligência do Estado do Ceará, estabelece o Sistema Estadual Interagências de Inteligência e dá outras providências. Esse projeto, aprovado em 10 de maio de 2018 pelo plenário da Assembleia Legislativa, dá ênfase ao controle. Assim, cria um conselho Estadual de Inteligência do Estado do Ceará que tem, entre suas competências, “realizar o controle interno da atividade de inteligência”. (Gonçalves, 2018, p.216)

Controle fundamentado no interesse coletivo

Toda atividade do Estado deve ser controlada pela sociedade por meio de seus representantes, afinal, o administrador público não é o titular do interesse coletivo e, por isso, não tem ampla liberdade de atuação. Deixar o controle da atividade de inteligência de qualquer esfera a cargo exclusivo de um só poder não resultaria em benefícios para um Estado Democrático.

O Estado, através das suas inúmeras faces legais, deve manter a atividade de Inteligência sob assaz fiscalização externa e interna, evitando, assim, os surtos autoritários tão experimentados por serviços de Inteligência em diversos países do mundo.

Equívocos relacionados a tais temas são comuns uma vez que há conceitos difusos da atividade de Inteligência e a formação doutrinária no meio acadêmico policial e nos bancos universitários ainda não esclarece, satisfatoriamente, essa questão.

ANÚNCIOS

Leia Mais: