Autoconhecimento e Inteligência: estados da mente diante da verdade

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Estados da mente diante da verdade

Diante da vasta carga de informações que atualmente vivenciamos, falar em tomada de decisões sem o assessoramento proporcionado pela Atividade de Inteligência é algo que vai totalmente de encontro à eficiência e todo arcabouço constitucional que fundamenta o Estado Democrático de Direito.

No campo da Segurança Pública essa importância é ainda mais acentuada, pois decisões erradas ou tardias custam vidas, seja do efetivo interno, seja dos demais cidadãos. De toda forma, qualquer decisão tem seu preço, e toda ferramenta disponível deve ser bem utilizada para afastar os erros cometidos pelo Estado. Neste artigo, exploraremos a relação entre a atividade de inteligência e os diferentes estados da mente diante da verdade.

Inteligência e verdade

Antes de tudo é essencial relembrar que, conforme depreende-se da Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (2014)[1], a Atividade de Inteligência é o processo de coleta, análise e disseminação de informações relevantes para a tomada de decisão de um governo, organização ou indivíduo.

Do mesmo modo, é pertinente conhecer a concepção trina citada por Gonçalves (2019), que foi idealizada por Sherman Kent[2], o pai da inteligência, e entender a Inteligência sob as três facetas: conhecimento produzido, uma organização ou instituição, e uma atividade a ser desempenhada.

Contudo, ainda que a atividade de inteligência deva obedecer à metodologia específica, traduzida por meio da Metodologia da Produção do Conhecimento (MPC), visando apresentar maior confiabilidade ao produto final, é importante estar ciente dos Estados da mente diante da verdade e saber como estes afetam diretamente o conhecimento que é produzido.

Sem demora, o conceito da “verdade” tem intrigado filósofos, cientistas e teólogos ao longo da história da humanidade. Na filosofia, a verdade é vista como um valor supremo, considerada um ideal a ser perseguido, mesmo que muitas vezes seja difícil alcançá-la. MATEUS (2017) esclarece que, para Platão e Aristóteles, a verdade seria a “exata correspondência” de um enunciado com a realidade da coisa por ele proferida. Para Tomás de Aquino, “a verdade é a adequação do pensamento à coisa real”.

Infelizmente alguns chefes, tomadores de decisões, não possuem maturidade o suficiente para lidar com a verdade, e muitas das vezes o mensageiro, analista ou agente, é culpado por apresentar um conhecimento verdadeiro, porém que não agrada. Não obstante, como dito na obra Fullmetal Alchemist (2001-2010)[3]: “A verdade proporciona o desespero merecido para ensinar os humanos a não serem presunçosos”.

Um bom exemplo do desespero que a verdade pode causar nos é contado logo na infância, mas somente com um pouco mais de maturidade e experiência conseguimos perceber. Em Branca de Neve[4], um conto de fadas clássico dos Irmãos Grimm, a nova rainha, que era apontada como linda, muito orgulhosa, prepotente e vaidosa, possuía um espelho mágico, que pode ser visto como uma ferramenta de inteligência, mas não soube ser assertiva nas consultas e muito menos lidar com os dados apresentados.

Um dia, quando a rainha perguntou ao espelho quem era a mais linda de todo o país, o espelho respondeu que a rainha era a mais linda daquele local, mas Branca de Neve era mil vezes mais linda. A verdade apresentada pelo espelho confrontou a percepção de imagem que a rainha presunçosa possuía e o resultado não poderia ser outro: desespero. A rainha, desesperada, toma ações descabidas que as conduzem à morte.

Estados da mente diante da verdade

Para determinar em que estado mental o profissional de Inteligência se encontra diante do conteúdo analisado, é necessário estabelecer uma metodologia que regule a relação entre sujeito, objeto, verdade e erro, buscando sempre a verdade como objetivo. No entanto, a conexão da mente com o objeto nem sempre é perfeita, uma vez que por vezes ela encontra obstáculos que a impedem de formar uma imagem fiel ao objeto.

Assim, considerando que a verdade é a grande aspiração que norteia o exercício da atividade de Inteligência, o profissional de Inteligência de Segurança Pública (ISP) deve estar alerta para evitar a mera ilusão da verdade, ou seja, o erro. Para cada uma dessas situações, corresponde um estado específico da mente do profissional de Inteligência. Observemos a seguir:

Certeza

A DNISP (2014) esclarece que este é o estado da mente que todo profissional de Inteligência gostaria de trabalhar, vez que não há dúvida alguma sob determinado fato e/ou situação. Consiste no acatamento integral, pela mente, da imagem por ela mesmo formada, como correspondente a determinado fato e/ou situação, sem temor de se enganar. Relatórios de Inteligência podem ser produzidos com a mente do analista em estado de certeza.

Quando a incerteza é dissipada e a verdade é estabelecida, a mente alcança o estado de conhecimento. Nesse estágio, a pessoa está consciente dos fatos e tem uma compreensão clara da verdade. A atividade de inteligência não apenas revela a verdade, mas também ajuda a ampliar e aprofundar o conhecimento.

Opinião

O estado de opinião acontece quando a verdade lhe parece provável, ou seja, quando você conseguiu captar elementos suficientes que o tiraram do estado de dúvida e o levaram a ter uma opinião sobre a imagem daquele objeto observado.

GONÇALVES (2018) explica que é um estado no qual a mente se define considerando a possibilidade de um equívoco. Por isso, o valor do estado de opinião expressa-se por meio de indicadores de probabilidades. Relatórios de Inteligência podem e devem ser produzidos quando a mente do analista se encontra em estado de opinião.

Dúvida

A dúvida é o estado de equilíbrio em que a mente encontra razões para aceitar e negar que a imagem, por ela mesma formada, esteja em conformidade com determinado objeto. No estado de dúvida, é possível produzir somente o Relatório de Inteligência Informe, como instruído pela DNISP (2014).

A atividade de inteligência pode reduzir a incerteza ao fornecer análises e avaliações precisas dos dados coletados. Através de técnicas como a análise de tendências, modelagem preditiva e avaliação de riscos, a inteligência pode fornecer uma visão mais clara e confiável.

Ignorância

O estado inicial da mente diante da verdade é a ignorância. Nesse estágio, a pessoa não tem conhecimento ou consciência sobre um determinado fato ou situação. Ainda que não seja possível produzir conhecimentos neste estado, conforme alerta a DNISP (2014), é importante manter em vista que a atividade de inteligência desempenha um papel fundamental em superar a ignorância, fornecendo informações e evidências que antes eram desconhecidas.

Conclusão

É inegável que a atividade de inteligência desempenha um papel vital na busca da verdade. Ela nos ajuda a superar a ignorância, reduzir a dúvida e alcançar um estado de certeza. Através da coleta, análise e interpretação de informações, a inteligência fornece uma base sólida para a tomada de decisões informadas e estratégias eficazes.

Portanto, é fundamental reconhecer a importância da atividade de inteligência na nossa sociedade atual, valorizando seu papel na busca pela verdade. Ao aproveitar os insights proporcionados pela inteligência, podemos tomar decisões mais embasadas, desenvolver uma compreensão mais profunda do mundo ao nosso redor e enfrentar os desafios com confiança.

No mundo digital em constante evolução, a atividade de inteligência continuará desempenhando um papel crucial na compreensão e no enfrentamento dos desafios da sociedade, contudo, é importante manter-se apoiado na base que a doutrina clássica de inteligência fornece, afastando-se cada vez mais do achismo e obscurantismo de outrora.


[1] O Brasil possui, desde 2007, uma Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP). A 4ª edição da DNISP foi publicada em 25 de janeiro de 2016 e trouxe algumas inovações significativas relacionadas à ISP.

[2] Sherman Kent, foi um professor de história da Universidade de Yale que, durante a Segunda Guerra Mundial e por 17 anos de serviço da Guerra Fria na Agência Central de Inteligência, foi pioneiro em muitos dos métodos de análise de inteligência. Ele é frequentemente descrito como “o pai da análise da inteligência”.

[3] Fullmetal Alchemist é um mangá shōnen escrito e ilustrado por Hiromu Arakawa. Foi serializado na revista mensal japonesa Monthly Shōnen Gangan entre agosto de 2001 e junho de 2010. Trecho citado disponível em: < https://youtu.be/0xzdYqrxATA > Acesso em 04/07/2023.

[4] Branca de Neve, Um conto de fadas dos Irmãos Grimm. Disponível em <https://www.grimmstories.co…> Acesso em 06/09/2023.

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