Uma vez segregados da sociedade pelo Estado omisso e depositados em presídios, que funcionam como escolas do crime, os detentos passarão boa parte do tempo livre cultivando ódio ao Estado e planejando a execução das próximas “empreitadas” para quando mais uma vez estiverem livres. Contudo, ninguém odeia aquilo que é abstrato e está longe. O ódio será direcionado aos agentes que são palpáveis e visíveis diariamente: os policiais responsáveis pela captura; os policiais responsáveis pela investigação e custódia durante o processo; os policiais responsáveis por impedir a fuga dos presídios; e talvez um ou outro juiz e promotor (tão raro quanto a heterocromia). O inimigo é o Estado, mas não na figura do sujeito que usa terno e cuida das políticas de governo, e sim na figura do agente subalterno comum que usa farda e responde “sim senhor” para garantir o sustento da família.
Agora “o crime” tem um inimigo certo, e após a estadia nos presídios a reação violenta é o meio eleito para evitar mais uma temporada nos presídios brasileiros. De um lado temos um grupo de marginalizados, agora violentos, e que estão prontos para apertar o gatilho contra a sociedade, pois são invisíveis aos olhos desta; do outro lado temos agentes públicos, que representam o Estado policial violento, mas que cumprem ordens legais oriundas da própria Magna Carta, que são trabalhadores comuns, que possuem o direito de viver, e que também carregam o instinto de sobrevivência inerente a cada ser humano.
A rota de colisão foi traçada por homens que não sobrevivem em um habitat sem ar condicionado, homens que usam o superlativo absoluto sintético para camuflar defeitos de caráter. O resultado do confronto iminente é manchete diária em todos os meios de comunicação, funcionando como o melhor retentor de audiência. São dois segmentos demonizados enfrentando-se diariamente. O sangue não causa espanto, são números quando observados do conforto de uma boa poltrona. Se há vencedores, ainda não é possível identificar, pois choram as famílias de ambos os lados, mas apenas as famílias daqueles que não ocupam posições privilegiadas na sociedade.